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Até então jamais quantificados de maneira objetiva e reunidos em um estudo coordenado, os prováveis efeitos do aquecimento global no Brasil ganharam números e parâmetros preocupantes nas últimas semanas com as divulgações quase simultâneas de mais um volume do primeiro relatório oficial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) e da primeira parte do Quinto Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês). Elaborados por centenas de cientistas e pesquisadores, ambos os relatórios apontam para problemas iminentes que deverão ser enfrentados pelo Brasil, como o aumento da temperatura média em todas as regiões do país, a elevação do nível do mar, e o colapso do regime de chuvas. Essas mudanças terão impacto sobre a biodiversidade, a agricultura e o fornecimento de energia, entre outros aspectos da vida nacional.
O PBMC foi criado em 2009 pelos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e atua de forma associada ao IPCC. Lançado esta semana, o segundo volume do primeiro relatório divulgado pelo Painel reúne os trabalhos de 345 cientistas e pesquisadores e traz um panorama das pesquisas climáticas já realizadas no Brasil, com o objetivo de auxiliar a implantação de políticas públicas, estudos acadêmicos e ações da sociedade civil. O terceiro e último volume do atual relatório será lançado em novembro, e o próximo relatório do PBMC tem lançamento programado para 2016.
Nada animador, o relatório do PBMC prevê um aumento da temperatura média no país entre 3 e 6 graus Celsius até o fim deste século. Se for confirmado o pior dos cenários projetados pelo estudo, este aumento pode chegar a 6 graus na Amazônia, o que afetaria decisivamente o regime de chuvas da região, mas também teria forte impacto sobre outros biomas brasileiros como o Cerrado (5,5 graus), a Caatinga (4,5 graus), o Pantanal (4,5 graus) e a porção Nordeste da Mata Atlântica (4 graus). O aumento projetado para os Pampas e a porção Sul/Sudeste da Mata Atlântica é de 3 graus Celsius.
O desequilíbrio do regime de chuvas em todo o Brasil também é apontado como provável no estudo do PBMC. Para as regiões Norte e Nordeste, é esperada uma diminuição generalizada nas precipitações, o que provocaria a redução das vazões dos rios (podendo chegar a 20% no rio Amazonas e a 30% no rio Tocantins) e do nível dos lençóis freáticos, diretamente responsáveis pelo abastecimento de água potável à população. Essa redução da pluviosidade poderá chegar a 50% na Caatinga e a 45% na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Na porção Nordeste da Mata Atlântica, a redução será de 35%. No Sul e no Sudeste brasileiros, no entanto, a previsão é de um aumento nos índices gerais de pluviosidade que poderá chegar a 40% nos Pampas e a 30% na porção Sul/Sudeste da Mata Atlântica.
O estudo do PBMC fala também sobre a provável perda de produtividade que as principais commodities plantadas no Brasil sofrerão até 2050. Esta perda seria de cerca de 24% para a soja, 16% para o milho, 8% para o arroz e 5% para o algodão. O relatório afirma que até 2050 as mudanças climáticas terão influência direta na perda de 10% de tudo o que for plantado no Brasil.
O PBMC também faz projeções sobre a provável perda de biodiversidade nos diversos biomas e estimativas de perdas na agricultura que podem atingir o montante de R$ 14 bilhões até 2070. Outro problema citado é a elevação do mar, já que cerca de 40% das praias do Brasil são vulneráveis à erosão costeira e que a subida do nível das águas oceânicas poderá ter forte impacto sobre grandes aglomerações urbanas, como as cidades do Rio de Janeiro e de Recife.
Políticas públicas
“O relatório foi feito para a gente começar a levar em consideração as questões climáticas na elaboração das políticas públicas de um modo geral, no planejamento urbano e no desenvolvimento das cidades e, sobretudo, nas áreas de costa. O Brasil tem um número muito grande de regiões metropolitanas na costa, e isso tudo, de fato, é preocupante com um possível aumento do nível do mar nas próximas décadas. Essa preocupação se estende também às áreas de baixada, dado que, se a inclinação entre o rio e o mar diminuir, a ocorrência de chuva acabará provocando grandes alagamentos”, diz Suzana Khan, que é presidente do Comitê Científico do PBMC e vice-presidente do IPCC.
Outra questão importante trazida pelo relatório, diz Suzana, é associada às políticas públicas de habitação: “É preciso prevenir a construção em áreas de encosta, porque também está previsto que você tenha os eventos extremos cada vez mais intensos, com uma quantidade de chuva cada vez maior. Isso tem que ser considerado tanto do ponto de vista de adaptação - para prevenir ou, ao menos, reduzir os danos - como também na mitigação, para reduzir essas emissões. Então, investimentos em tecnologias e processos menos desgastantes, que usem menos recursos naturais, que emitam menos gases de efeito estufa, tudo isso é importante de fazer”, diz.
Pós-2020
Também integrante do IPCC e do PBMC, o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Emilio La Rovere alerta para a necessidade de o Brasil avançar em suas políticas públicas para reduzir as emissões de gases provocadores do efeito estufa e, desta forma, garantir o cumprimento das metas de redução assumidas unilateralmente pelo governo brasileiro durante a COP do Clima realizada em 2009 na cidade de Copenhague, na Dinamarca. Naquela ocasião, o Brasil se comprometeu perante às Nações Unidas a reduzir, até 2020, seus índices de emissão entre 36,1% e 38,9% em relação a 2005. Em junho, o governo brasileiro anunciou já ter atingido 62% da meta assumida.
“Há uma dificuldade no pós-2020. Com o nível de desmatamento baixo, haverá uma pressão maior para o aumento da queima de combustíveis fósseis. Reduzir as emissões da indústria e dos transportes pode afetar a economia. A ideia é conseguir um crescimento econômico com menor consumo de energia e com mais energia renovável. Isso vai ser fundamental para que, após 2020, continuemos a reduzir as emissões”, diz La Rovere, em entrevista ao portal G1.